Undusted: Cartas do Passado — poeira, café e memória colada com fita
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Abri o jogo achando que ia ser só um simulador de faxina de arquivos: tirar poeira, catalogar, guardar. Em cinco minutos, eu já estava segurando a respiração pra virar a página devagar, com medo de rasgar uma carta que sobreviveu melhor do que muita relação moderna. A mágica aqui é simples e poderosa: cada documento tem textura própria, e mexer nele é o jogo. Você hidrata papel com borrifador pra soltar clipes enferrujados, posiciona fita japonesa pra salvar um rasgo, passa pincel macio pra revelar um carimbo antigo. Quando um timbre ou um selo aparece inteiro pela primeira vez, dá a sensação de “achei um tesouro” — mesmo sendo só papel.
A loop de trabalho puxa sua cabeça pro presente. O mundo lá fora some; sobra mesa, luminária, luva de algodão e uma pilha que nunca acaba. E, no meio da rotina, entram as histórias. Bilhetes com piada interna, cartas formais que escorregam uma saudade no meio do parágrafo, um envelope devolvido que denuncia briga. O jogo não te engole com cutscene; ele deixa que a narrativa apareça pelo jeito como as pessoas escreveram. Eu me peguei lendo como espião e como neto: curioso, mas respeitando os silêncios que a gente aprende a não violar.
A parte “sistêmica” é surpreendentemente gostosa. Você escolhe como organizar: por data, remetente, assunto, sensação. Cada escolha muda o jeito que as peças conversam depois. Catalogar por tema ajuda quando surge um lote novo e você precisa achar conexão rápida; por data, a linha do tempo fica linda e algumas coincidências parecem destino; por emoção (sim, eu fiz isso), a caixa vira um álbum secreto que só você entende. A graça é que o jogo te dá espaço para ser metódico ou sentimental — e te mostra que os dois funcionam, dependendo do dia.
Miniquebras de cabeça aparecem no fluxo, mas não do tipo “trava a diversão”. É mais sobre atenção que sobre gabarito. Um carimbo borrado que só fica legível quando você inclina a luminária no ângulo certo; um endereço que precisa de meia leitura labial de calígrafo; um trecho coberto por fita que, se você puxar com pressa, quebra o papel. Também tem aqueles momentinhos de detetive: comparar selos, cruzar apelidos, juntar envelopes sem conteúdo a partir de marcas de dobra. Quando a ficha cai — “essa carta chegou, mas nunca foi aberta” — dói um pouco. E é nessa dor que o jogo brilha.
O clima é cozy sem virar açúcar. A trilha entra discreta, tipo playlist de tarde chuvosa, e o som do papel governando a sala faz metade da imersão. Visualmente, tudo favorece a leitura: contraste bom, fontes legíveis, e uma direção de arte que parece museu pequeno de interior, com cuidado e sem exibicionismo. Fiquei feliz de ver opções simples que ajudam demais (girar documento, zoom generoso, lanterninha pontual pra realçar detalhes). No mouse e teclado, a experiência é natural: arrastar, alinhar, marcar. No controle, também dá, mas eu preferi ponteiro pra precisão de cutucadas em canto de envelope.
Tem muito jogo que força “reviravolta” no final; aqui, as viradas são miúdas e humanas. Uma carta volta com “mudou-se” carimbado; meses depois, outra revela por quê. Um pedido de desculpas formal vira confissão num post-it preso à margem. Um desenho infantil, perdido entre recibos, vira coração de capítulo. Em várias horas, eu não “zerava”; eu encerrava expediente e prometia voltar, como quem fecha a porta do arquivo e guarda a chave no bolso. Quando a história decide amarrar pontas, faz isso sem gritar, e justamente por isso pega mais.
Nem tudo é perfeito. Em algumas sessões, o jogo repetiu um tipo de documento ou tarefa que já tinha rendido o recado, e eu senti aquela vontade de avançar a pilha com botão mágico. Não tem. E é bom que não tenha — mas entendo quem pode cansar. Também tropecei numa ou outra leitura de caligrafia que o jogo queria que eu pegasse e eu simplesmente não peguei; só resolvi quando mudei a luz e parei de forçar. Faz parte: é um jogo de observar, não de correr.
Outra parada legal é como ele te deixa imprimir o teu jeito de organizar. Minha mesa virou zona, confesso, e aí descobri que dava pra criar “ilhas” na bancada: recorte aqui, fotos ali, cartas “que doem” num cantinho separado pra abrir quando eu estivesse menos cansado. Isso não dá mais ponto; dá mais respiro. E, no final, a coleção que você monta parece tua memória emprestada — uma curadoria de intimidades alheias que você trata com carinho.
Tecnicamente, no PC foi suave. Trava 60 fps, dá uma segurada no brilho pra evitar reflexo exagerado no papel, e acabou. O jogo é leve, mas sensível ao jeito que você mexe. Vale usar um mouse com rolagem fina; a sensação de “varrer” a carta com lupa virtual fica bem melhor. Ah, e toca água: hidratar papel digital não te desidrata de verdade, mas você vai esquecer de levantar da cadeira.
No final, fiquei com essa sensação boa de obra que não tenta ser maior do que é. Undusted: Cartas do Passado é sobre cuidar. Cuidar do objeto, da história e do tempo de quem escreveu. Quando aparece aquele bilhete tosco, com letra torta e um “cheguei bem” depois de um sumiço, você sente por que guardamos coisas. E por que algumas coisas guardam a gente de volta.
Recomendo muito se você curte jogo calmo que ainda assim te prende pelo cérebro e pelo coração. Funciona como ritual de fim de dia, como pausa entre dois shooters, como presente pra alguém que gosta de papelaria e museu. Só não entra esperando puzzle mirabolante ou drama televisivo. Entra esperando poeira, detalhes e aquela alegria besta de restaurar algo que estava quase indo embora.
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Sou o Leo, geralmente jogo com o nick blade95. Sou apaixonado por jogos de FPS e amo montar PC Gamer! Aqui no Steamaníacos cuido de tudo sobre Hardware, review, preview, testes e novidades para o nosso mundo gamer!