Little Nightmares III — Um conto de dois medos: o meu e o do amigo do outro lado da chamada
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Comecei achando que ia só “dar uma olhada” antes de dormir. Sabe aquela ideia péssima de abrir um jogo de terror às 23h, apagar a luz e entrar em call com um amigo? Então. Em dez minutos eu já estava andando mais devagar do que o normal, porque o cenário parece vivo: madeira que estala como se estivesse reclamando da nossa presença, pano rasgando ao vento, aquele metal úmido de fábrica abandonada. O jogo não dá tapinha nas costas. Em vez de tutorial gritando, ele te joga numa sala que pede cooperação de forma muito óbvia, mas nunca explícita. Eu segurando uma alavanca, ele correndo, voltando, “foi mal, calculei mal o salto”, mais uma tentativa. Quando a gente acerta, dá aquela micro-euforia de combo bem executado em jogo de luta, sabe? Só que aqui o combo é puxar madeira, travar porta, mirar a corda e pular no segundo certo.
O que mais me pegou foi como a câmera conta a história junto com os objetos. A Necropolis tem cara de deserto e cheiro de ossário, mesmo sem cheiro de verdade; o Carnevale parece uma festa que acabou errada faz muito tempo e ainda está tentando fingir normalidade. Tem uma oficina com ferramentas infantis que não deveriam existir, e você entende tudo sem texto. O design é bom em transformar cenário em linguagem: cartazes tortos apontam caminho, reflexos entregam movimento fora da tela, sombras mentem só o suficiente pra você duvidar de si mesmo. E, quando a perseguição começa, não é sobre dar susto barato; é sobre te colocar num fluxo que você aprende com o corpo. A primeira vez você morre confuso, a segunda você entende uma parte, na terceira vira quase música: corre, puxa, espera, abaixa, salta, respira.
Jogar com outra pessoa muda tudo. No Discord, a gente acabou criando um idioma próprio, tipo “um-dois-agora”, “segura mais”, “solta já”, “confia, vai”. E dá pra sentir o momento em que o medo sincroniza. Tem hora que o silêncio do outro pesa mais do que qualquer barulho do jogo. Uma vez meu amigo travou na beira de um buraco porque ouviu um som no fone e ficou na dúvida se era do jogo ou da rua; eu ri, mas dois minutos depois era eu congelando na frente de um manequim porque jurei que ele tinha virado a cabeça. O co-op, quando funciona, vira essa coreografia de duas pessoas tentando ser uma só. E isso é lindo. Só que, sendo honesto, faltou co-op de sofá. Esse é aquele tipo de experiência que pede dois no mesmo ambiente, rindo baixo e errando junto. Online resolve, mas troca calor por ping.
Também testei solo, e a IA segura a bronca em 90% do tempo. Ela puxa alavanca, vira contrapeso, acompanha corrida. Em duas situações, porém, fiquei preso porque a IA não acertou a posição de um puzzle cooperativo mais chatinho. Nada que um reload de checkpoint não resolva, mas fica a dica: se tiver alguém pra jogar, chama. O jogo foi pensado pra isso.
Os gadgets dos dois protagonistas têm um charme específico. O arco do Low tem um som seco e curto que dá confiança. A ferramenta do Alone é meio tudo-em-um: chave inglesa que vira diversão, alavanca, peso, o que der. E a sombrinha/planador foi o meu momento preferido, porque junta timing, confiança e leitura de espaço. Teve uma parte em que um de nós jogava a corda e o outro tinha que planar e cair no ângulo certo. Quando acertamos de primeira (depois de errar feio três vezes na tentativa anterior), a reação foi risada de alívio. É o tipo de cena que você quer repetir pra mostrar pra alguém.
Nem tudo brilha. Em alguns trechos, a perseguição escorrega pro “decora e passa”, o que baixa a tensão e vira procedimento. Também rola de a profundidade do cenário (esse 2.5D clássico da série) te dar um golpe baixo: você jura que está alinhado com a plataforma, não está, cai, e a culpa parece menos sua e mais da leitura visual. Aconteceu comigo umas três vezes. São momentos que quebram o clima e lembram que ainda existe videogame por trás do pesadelo. Dá pra contornar ajustando contraste, tirando um pouco de bloom e travando o jogo em 60 fps pra deixar tudo mais legível. Com esses ajustes, a taxa ficou estável e os silhouettes dos personagens destacaram melhor do fundo.
Sobre performance e controles, eu curti alternar. Controle para mover e saltar em diagonal ficou natural, principalmente nas cenas que pedem ritmo. Mouse e teclado ficaram melhores quando pinta puzzle de precisão, tipo alinhar mira ou ajeitar objeto no pixel certo. Com fone fechado, o áudio faz metade do trabalho: você começa a mapear o ambiente pelos sons. Um chiado de duto que não devia estar ligado, uma goteira que acelera, um passo que não é o seu. Teve uma hora em que paramos cinco segundos numa porta só ouvindo. Parece bobo, mas essa pausa foi tão tensa quanto qualquer corrida.
A campanha não é longa, então aproveita melhor se você entrar no clima e ir sem pressa de “zerar”. Vale fuçar cantos, observar os detalhes, aceitar umas mortes porque você quis testar algo idiota. A sensação de descoberta aqui vem muito da curiosidade. Não tem inventário gigantesco, não tem árvore de skill com mil camadas; tem cenário que te chama pra brincar de maneira específica e histórias escondidas em composição, cor e ruído. Quando o jogo ousa mesmo, como num trecho de feira que mistura risada nervosa com puro desespero, bate forte. Queria mais desses picos.
No final, fiquei naquela mistura de feliz e levemente frustrado. Feliz porque o jogo me deu cenas que vou lembrar, por causa das imagens e do jeito que a gente jogou, respirando junto. Frustrado porque dá pra sentir que tinha espaço pra arriscar mais no co-op, inventar puzzles que dependem de comunicação de verdade o tempo todo, não só em momentos pontuais. Mesmo assim, a recomendação é fácil se você tiver com quem dividir: joga no escuro, fone alto, uma garrafa d’água por perto, e combina um “safe word” pra hora que a mão suar demais.
Se o seu lance em terror é gritar com jumpscare, talvez você estranhe. Se o seu lance é ficar em silêncio porque qualquer barulho parece perigoso, aí é bingo. Little Nightmares III é isso: menos susto, mais tensão construída na paciência e no timing de duas pessoas tentando pensar como uma. No meu caso, funcionou demais. E agora eu tenho um amigo que vai pra sempre me zoar porque eu caí num buraco olhando pra um manequim.
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Sou o Leo, geralmente jogo com o nick blade95. Sou apaixonado por jogos de FPS e amo montar PC Gamer! Aqui no Steamaníacos cuido de tudo sobre Hardware, review, preview, testes e novidades para o nosso mundo gamer!