Hades II — O inferno é hábito: quando o corpo aprende o rito, o jogo devolve êxtase

Hades II
Ano: 2025
Gênero: Jogos Roguelike
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★
Hades II

Entrei achando que sabia dançar — afinal, tinha vencido a morte uma vez — e saí humilhado por um esqueleto com cara de quem nem devia ter turno. A primeira noite em Hades II doeu na medida certa: uma mão procurando atalhos que o jogo não reconhece, olhos tentando enxergar janelas onde só existia soberba. A virada veio quando abandonei pressa e voltei ao básico: posicionar, cancelar cedo, aceitar que defesa é verbo, e que uma run boa começa no talento… mas termina na disciplina. É ali que Melinoë mostra a diferença: feitiço é ferramenta, não muleta; e a bruxa só floresce quando o jogador para de fazer barulho.

A cadência do combate é um vício físico. Você sente quando o corte encaixa no hitstop correto, quando a invocação ocupa o espaço exato para proteger o flanco, quando o dash “seca” o ataque inimigo e deixa o contra-ataque brilhar. A cada sala, o jogo testa um aspecto do seu caráter: ganância, teimosia, confiança. E, de repente, lá está você recusando um boonzinho dourado porque sabe que ele mata a sinergia que está nascendo; aceitando um upgrade aparentemente morno porque conversa com o que você tem e não com o que queria ter. Quando essa humildade entra, o design abre — portas secretas se multiplicam, chefes que pareciam paredes viram conversas, e a mão passa a tocar guitarra onde antes só batia palma.

O mundo empurra rumo e lembrar de respirar vira parte da estratégia. Há caminhos que convidam o braço pesado e outros que pedem paciência oblíqua; a graça é que nenhum é “o certo”. Na madrugada em que consegui a minha primeira corrida perfeita, percebi que não foi o dano que venceu — foi a economia de gesto: menos dashes, mais diagonais; menos magia ansiosa, mais feitiço que cria tempo. O jogo remunera esse silêncio. E, quando a história abre de vez, com gente que sangra e ama embaixo da mitologia, o roteiro morde com a elegância que só a Supergiant tem: sem empastelar a run, mas garantindo que a sua vontade de voltar amanhã não é só por loot — é por gente.

No PC, é um deslize de seda. Travado a 60 (ou acima, se a sua máquina deixar), com pós-processamento comedido e o contraste trabalhando, o jogo fica cirurgicamente legível: partículas viram linguagem, não ruído; telegraph é promessa, não truque. Mouse e teclado dão precisão de bisturi; controle entrega fluidez de quadril — rodei a campanha alternando conforme o humor da noite. O áudio 3D é metade do feitiço: fone fechado, volume alto, e cada sala nasce antes na orelha do que na tela. E a trilha… é indecente de boa. Em algum momento você percebe que está jogando no compasso do baixo; quando o refrão entra no boss, seu indicador já sabe o que fazer.

As falhas que senti foram humanas — minhas. Ganância em boons “brilhantes”, teimosia com arma fora do meu dia, excesso de confiança ao trocar de rota no fim de uma run. O jogo erra pouco onde costuma doer: leitura (clara), checkpoints de meta (honestos), curvas de poder (firmes). Em sessões longas, pode haver uma sequência em que o RNG te dá a frição exata que você não queria; se você insistir no plano, morre; se ouvir o jogo e ajustar duas escolhas, vive. A régua é justa. Quando perdi, entendi por quê. Quando venci, a garganta pediu risada — não grito.

Terminei o “verdadeiro” encerramento com a sensação de ter aprendido um idioma novo com uma professora cruel e justa. Voltei ao hub, ouvi duas falas a mais, troquei um keepsake e comecei outra run sem pensar. Não foi hábito; foi saudade. Hades II é isso: transforma repetição em ritual e ritual em prazer. O resto — gráficos lindos, vozes finas, uma trilha que dá vontade de sair correndo atrás de partitura — é luxo que vem por cima do essencial: o melhor feel de ação do ano.

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Por Leo "Blade"

Sou o Leo, geralmente jogo com o nick blade95. Sou apaixonado por jogos de FPS e amo montar PC Gamer! Aqui no Steamaníacos cuido de tudo sobre Hardware, review, preview, testes e novidades para o nosso mundo gamer!

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